O FIIK Janela Caipira – Festival Independente de Cinema dos Interiores Kino-Olho chega à sua nona edição com recorte interiorano e experimental presente em toda a programação, que envolve Cinema, Fotografia, Arte Sonora, Núcleo de Criação Cinematográfica, Debates e Rodas de Conversa.
As inscrições de curtas-metragens ocorrem de 1º a 24 de maio de 2024, e o evento será realizado de 13 a 17 de agosto de 2024, no Centro Cultural Roberto Palmari, no Parque Lago Azul, em Rio Claro-SP.
O Janela Caipira – Festival Independente de Cinema dos Interiores Kino-Olho foi criado em Rio Claro-SP, em 2009, com o nome de FIIK.
Nos anos 2000, o movimento de cinema emergente na sala de cinema do Centro Cultural Roberto Palmari, que deu origem ao Grupo Kino-Olho, viu no festival uma oportunidade de exibir seus filmes-ensaios ao público e criar possibilidades de encontros entre realizadores de diferentes lugares.
Além de filmes autorais de inscrição livre, o festival contava também com uma sessão competitiva, composta por filmes produzidos localmente. O melhor filme, segundo votos do júri popular, recebia o Troféu Chapéu de Palha.
De lá para cá, o festival teve oito edições, sendo a última realizada em parceria com o 27º Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo – Curta Kinoforum. Nesse percurso, o cinema brasileiro abriu portas para o cinema dos interiores, com obras de destaque produzidas no interior paulista, que tiveram repercussão em festivais nacionais e internacionais.
Em meio a novos agentes e em um ano efervescente para o cinema, o Festival Independente de Cinema dos Interiores Kino-Olho – Janela Caipira chega à nona edição com recorte interiorano e experimental presente em toda a sua programação, que envolve cinema, fotografia, arte sonora, núcleo de criação cinematográfica, debates, rodas de conversa, sessões especiais e sessão com acessibilidade.
O evento é uma realização do Grupo de Pesquisa e Prática Cinematográfica Kino-Olho – entidade com foco na pesquisa, formação e produção de cinema e audiovisual do interior paulista, com quase vinte anos de atuação em Rio Claro e região.
O festival é composto por cinco mostras competitivas – Mostra Brasil, Mostra São Paulo, Mostra Cine Delas, Mostra Mundos Possíveis, Mostra Desvios – além de três mostras especiais – Escolar, Filmes em Processo e Kino-Olho, todas seguidas de debate.
Nessa composição, buscamos produções realizadas nos interiores do Brasil, que apontem possibilidades de futuro longe dos grandes centros urbanos, com narrativas que apresentem novos protagonismos, novas formas de vida e tensionamentos na linguagem cinematográfica.
Além das sessões, compõem a programação: a instalação de fotos analógicas e sobreposição – Deriva Cartográfica; a intervenção e produção de filme coletivo – Esquizogesto; a performance de arte sonora – Noite Imersiva; roda de conversa entre realizadores – Processos produtivos outros – o interior em cena; cerimônia de premiação e festa de encerramento.
O evento promove a difusão da arte e cultura por meio de múltiplas atividades fornecidas gratuitamente, debatendo e democratizando o conhecimento sobre os contextos sociais da produção da tecnologia, da linguagem e da cultura audiovisual.
Através do encontro de realizadores, acreditamos na troca de experiências sobre práticas audiovisuais como caminho para a conexão entre filmes independentes e o público interiorano. Dessa forma, apostamos na interface entre as diferentes linguagens como caminho para um cinema caipira futurista imersivo, que desvie dos estereótipos e tradicionalismos, em busca de narrativas fluídas que operem com diferentes sentidos, considerando as comunidades contra-hegemônicas como ponto de partida para novos cinemas, subjetividades e identidades.
Como é ver e ouvir o mundo no modo caipira? É uma condição temporal, espacial, cultural? Como soa ser chamado de caipira, matuto? Identificação, afastamento ou as duas coisas? Na etimologia tupi: cai = queimada / pir = pele… pele queimada. Caá = mato + pora = habitante… morador do mato. Híbrido de Caipora e Curupira?Seres embrenhados nas matas? Simbioses de florestas e gentes?
Uma condição histórica e geográfica. Massa miscigenada, inicialmente, nas ofensivas portuguesas matas adentro. Tensões. Etnocídio. Genocídio. O caipira é o que fica. A casa de sapé com a ferramenta de ferro na porta. Cultura híbrida indígena/europeia. A diáspora africana durante o processo de escravização traz novos saberes, novas cores e novas tensões. A casa de sapé, com a ferramenta de ferro, e a força do tambor.
Trilhas, que viram estradas, que viram ferrovias. Trilhos, petróleo, asfalto, rodovias. O fim da escravização expulsa os corpos com peles escuras para trazer os de peles claras. Mais europeus, e também asiáticos. Mais culturas se misturando. No tempo, se vai mais um século. No espaço, o território ocidental expande e se consolida. Cruza o que batizaram de “Brasil”. Desmatamento, exploração. Monocultura. Cosmofobia. Epistemicídio. Selvagem como pejorativo. Caipira como obstáculo. A arte faz sua parte, ridiculariza o bicho do mato. Esvazia o sentido, produz a vergonha, constrange. O peso de ser atrasado, matuto. Colorismo. Agronegócio.
A cidade absorve o que quer, descarta o que não quer. Seres embrenhados nos carros. Híbridos de poluição e gentes. Rios desaparecem. Esquinas populosas, fome. É uma condição temporal, espacial, cultural? Marca 45 graus no centro da cidade. Na periferia, a sensação térmica passa de 60 graus. No outdoor, uma paisagem de floresta em um painel de led. No cinema, na TV e no celular, tudo parece bom, um belo design para consumir. Não tão longe, os tratores empurram pessoas, derrubam casas, jogam venenos e cavam crateras. Para eles, o caipira é o passado e a devastação é o presente. E o futuro? Normatização apocalíptica.
O ferro destruiu a casa de sapé, rompeu o couro do tambor. Sentidos condicionados, domados. Colonização dos imaginários, dos afetos, das potências. Audição, visão, olfato, tato, paladar… natureza morta. Metaversos de metaversos. Inteligência artificial, seleção natural. O limite! O ponto de não retorno… ecocídio!
Em meio à fumaça, dentro de um carro de ferro, tem um maracá, acelerador de partículas, chamador de espíritos. Passa uma criança com um celular na mão, filmando. Outras formas, outras imagens, desterritórios. Os tambores movem multidões. Em uma festa junina funk, um jovem usa um chapéu de palha com led. Na prainha do rio, montam um sound system. Identidades híbridas. Uma criança com Síndrome de Down rompe a ordem escolar com sua dança. Potências outras. Uma indígena com uma câmera na mão. Desfoques. Uma comunidade criando narrativas audiovisuais em um assentamento. Quilombolas conectados em luta transcendem os tempos e espaços. Híbridos rurais e digitais. A cidade não é o centro. Não há centro! Corpos dissidentes ocupando telas, subjetividades, outros imaginários, potências. Seriam os caipiras futuristas?
Matuto…
Será que era um filme? Ou será que era um sonho? O que é sonho dentro de um pesadelo? Outras formas de sentir? Outras formas de ouvir, de ver, de cheirar, de tocar, de comer, de dançar, de pedalar, de beijar, de amar, de gritar, de lutar e … ? Narrativas sensoriais! Nas bordas das cidades, os tambores acolhem, alegram. Motos, cavalos, galinhas, porcos, cachorros, sons de carro, cadeiras de roda, tatuagens, cabelos na régua, zapzap, sertanejos, divas pop, mc’s, camisas de time… sonhos! Na beira do rio urbano, uma casa de sapé. Com a pele queimada, o morador do mato. Cidades embrenhadas nas matas. Simbioses de urbano e rural. Colorido. Agrofloresta.
Matuto!
Quem queima a palma benta nos dias de temporal? Quem segura o céu e impede que caia?
Buscando saberes em futuros ancestrais, conhecendo ferramentas contemporâneas disponíveis, compondo virtualidades expandidas. Comunidades cinematográficas se formando em espaços de resistência. O cinema como janela para novas formas de sentir e estar no mundo, ocupando imaginários e desenhando caminhos. A janela como lugar de matutação, estado do pensar, de sentir tempos e imaginar espaços. Filmes, oralidades, arte sonora, fotografias sobrepostas, cenografias, experimentos, gestos coletivos de criação, acessibilidades, hibridismos, materialidades, encontros, subjetividades, linguagens que desviam. A arte faz sua parte, habita o entre.
Que mundos possíveis emergem em uma janela caipira de cinema?
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Manifesto escrito por Rogério Borges, inspirado nos pensamentos de Ailton Krenak, Davi Kopenawa Yanomami, Doreen Massey, Eduardo Viveiros de Castro, Geni Nuñez, Nego Bispo, Sueli Carneiro, Suely Rolnik…